segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ligando os pontinhos ou "A paranóia"?




Após a a sensação cada vez maior de que tem algo muito estranho ocorrendo, pude perceber que eu não sou o único. Amigos, grupos de debates, grupos políticos, todos eles com a mesma sensação. Os que acordaram agora são os únicos que, até então, estão cheios de certezas. A estranheza ocorre não apenas por vermos uma geração adormecida acordar de uma hora para a outra e botar a cara na rua. Isso apenas me enche de euforia e me faz acreditar um pouco mais no ser humano. Acho que estas manifestações, por si só, já trouxeram algo de positivo e ainda podem trazer muito mais. No entanto – a boa adversativa cabe em todo texto reflexivo – aquilo que tem incomodado a mim e a muitos outros é o cheiro de golpe e conservadorismo no ar. Como diria Descartes, com o seu bom e velho método, vamos por ordem. Comecemos das percepções clara e distintas, e depois iremos, gradativamente, às mais complexas. A primeira coisa é o relato de alguns amigos acerca do clima de ultra-direita das manifestações no Rio e em SP e outros que encontreina internet. Que as louvações ao hino nacional são completamente babacas, isso nos já sabemos. Porém, mais estranho que isso é a postura que eles têm descrito como presentes nas passeatas, por exemplo, essevideozinho fofo de uma manifestante completamente politizada. Isso me lembrou uma série de outros acontecimentos ocorridos no Brasil, como a Marchada Família com Deus pela Liberdade que foi muito querida pelos militares, pois legitimavao golpe. E aí, eu percebo que no dia 05/06/13, em Brasília, ocorreu uma incitaçãopara que a “família de bem” fizesse algo semelhante. Coisa que a Band transmitiu no sábado 22/06/13 quase que convocando as pessoas para uma nova Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Nada contra Deus ou contra liberdade, mas todo golpe de estado é travestido de valores democráticos e libertarios. E aí eu me lembro que Globo começou a elogiar os “manifestantes pacíficos”, e a entoar a frase de que “o gigante acordou”. Pois é, e olha só o que me aparece: isto e isto. Já com os nervos atormentados vou para a internet e vejo isso que o congresso aprovou no dia 06/06/13 – um dia após a incitação de que falei – uma lei que regulamenta eleiçãoindireta em caso de vacância do cargo de presidente. Eu disse eleição INDIRETA! SEM A PARTICIPAÇÃO DO POVO. E a Datafolha já tem até pesquisa contendo a preferência dos que acabaram de acordar. Adivinha quemeles preferem? E sabem quem é o preferidodos militares?

Depois de tantas coincidências, a outra coisa estranha foi o retorno da página do AnonymousBrasil após uma manutenção no facebook. A página voltou estranha... Quase todas as suas postagens eram direcionadas à Dilma e ao PT. Não quero ser “dilmista” ou “petista”, mas achei estranho que um grupo tão politizado de repente passasse a acreditar que o problema da população é realmente o presidente e não o sistema econômico. Qualquer analista político, por mais inexperiente que seja, não deixaria de considerar o sistema econômico como peça chave para compreender os problemas sociais. Por detrás do discurso cheio de memes, travestidos de adolescentes espontâneos e cheios de vigor revolucionário, parecia haver um objetivo claramente determinado. Na verdade até a linguagem escolhida já não me parecia espontânea, mas claramente direcionado a um público adolescente e apolítico. Mudei de página, agora iria seguir a Anonymous FUEL. Mas a linguagem era a mesma e a dúvida persistia: por que a Anonymous FUEL, que possuía um perfil mais sério, não tinha nenhuma análise econômica? Por que falavam de algo tão sério apenas com memes e palavras de ordem, sem nenhuma análise? Por que falavam de política e corrupção sem falar em economia? E por falar em economia, quem sustentava todo esse aparato do Anonymous? Dinheiro não dá em árvore, e ninguém monta uma organização dessas sem alguns milhões. Qualquer um pode ser um anonymous, tudo bem, mas você não encontra em qualquer esquina uma equipe de hackers tão eficiente, tão bem articulada, tão ativa e tão ousada, e, ainda por cima, livres de processos judiciais (o que significa que eles têm bons advogados por detrás). Depois dessas dúvidas, me deparo com esse videozinhocurioso. Fui checar as fontes. Primeira coisa: olha quem é que está envolvidono ramo da internet, e, mais, investindo no Brail. E aí eu me lembrei que na época do PIPA e SOPA a Anonymous participou ativamente derrubando sites ao redor do mundo. Mas, apesar de também ser contra o PIPA e o SOPA, eles não atacam somente os interesses da sociedade civil. O PIPA e o SOPA atacam também os interesses daqueles que lucram com o compartilhamento via internet, porque, para baixar arquivos, você precisa ter uma boa conexão. Eu sei que o “videozinho curioso” parece coisa de “teoria da conspiração”. Mas fui pesquisar mais um pouco sobre as revoluçõescoloridas e percebi que elas tiveram um modus operandi semelhante, muito semelhante, ao que vem ocorrendo no Brasil. Além disso existem outras coincidências. Uma delas é a suspeita de que a CIA, Fundação Soros, USAID e o National Endowment fo Democracy estiveram por detrás delas. Lembra da relação do Anonymous com Soros? Pois é, fiquei desconfiado de alguma coisa. Fui conferir a lista de países “acometidos” pelas revoluções coloridas e percebi que todos eles são países cuja política econômica estão indo de encontro aos interesses dos EUA, ou que tinham petróleo na jogada. Cito, aqui, as palavras que alguém pronunciou em um forum: “Alguém mais lembra que - dono de uma das poucas moedas livres do mundo - o Iraque ameaçou corrigir os preços do petróleo (Rockefeller) de acordo com o Euro invés do Dólar, ameaçando o sistema de compensações (Rothschild) e pouco tempo depois era considerado um crápula terrorista portador de armas de destruição em massa? Hoje vemos que a única arma de destruição em massa de Saddam era o possível uso Dinar.” E quais seriam as relações de Soros com Rosthschild e Rockfeller? Os três fazem parte da Illuminati. E por que estariam interessados no Brasil? Ora, (i) temos a maior reserva de biodiversidade do mundo, (ii) descobrimos uma das maiores reservas de petróleo do mundo, (iii) temos um governo que vai de encontro às políticas norte-americanas e neoliberais, e que estava com apoio popular, (iv) temos um governo que tem dado apoio àqueles que vão de encontro aos interesses norte-americanos e neoliberais (Cuba, Venezuela, Irã, Turquia), (v) o Brasil tem despontado no cenário mundial como uma economia emergente. Quersaber o que a Turquia pensa sobre o que está ocorrendo no Brasil? E quer saber se a política econômica adotada no Brasil tem incomodado muita gente lá fora? Saca só a pressão do The Economist, numa tentativa clara, por parte do jornal britânico, articulado com o Globo, de pressionaras decisões políticas aqui dentro. Acho que existem muitos interesses internacionais em jogo no Brasil. Tem muito gente interessada na nossa economia, biodiversidade, petróleo, etc.

A outra coisa estranha foi um vídeoonde alguém falava em nome do Brasil pedindo socorro às instituições internacionais. Uma pessoa bem vestida e com um inglês perfeito já colocava o Brasil como um estado de tirania e extrema ditadura para a comunidade internacional. Até aí, tudo bem. Seria apenas um manifestante mais exacerbado. Mas, depois, havia um segundovídeo onde a mesma pessoa falava em português com um sotaquecarregado. Por que um americano estava pedindo socorro para o Brasil? E por que estava disfarçado de brasileiro? Por que estava falando em tom de festa dando os "parabéns" aos manifestantes? E por que a mesma linguagem meio rebelde, meio descolado, meio classe média? A que público ele se dirigia? Certamente não eram aos pobres nem à classe pensante. Mesmo porque o vídeo apenas incitava as pessoas a produzirem imagens, solicitava que fizessem vídeos feito loucos. Mas o vídeo não dizia, em nenhum momento, para pensarem e nem trazia uma única análise da situação. O discurso construído no imperativo: façam, façam, gravem, etc. Depois desse vídeo, fiquei com minhas dúvidas acerca de algumas coisas. A primeira delas é, como já pontuado, o fato de um grupo “tão politizado” negligenciar que o grande problema é o nosso modo de produção, e não o governo de “A” ou “B”. O segundo é que não há análise da situação, apenas incitação à histeria coletiva. Por que eles não atacam o modo de produção? Por que não atacam grandes corporaçõeseconômicas? Estas, sim, os grandes tiranos. Os governos são, atualmente, apenas fantoches das corporações. A terceira é acerca da PEC 37: por que os EUA e outros interesses externos estão tão preocupados em derrubar a PEC 37? Seria por que ficaram bondosos da noite para o dia? Papai Noel manda lembranças! Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Mula-Sem-Cabeça e E.T., o extraterrestre.

Posto isso, já não achava estranho que o OcuppyWall Street, um dos movimentos políticos mais importantes dos últimos anos, justamente porque ia ao “X” da questão e colocava em xeque o sistema econômico, e não o governo de “A” ou “B”, teve colaboração pífia do Anonymous. Ora, por que o Anonymous estaria interessado em trocar o governante, mas mantendo o sistema econômico? E por que estaria interessado em derrubar, justamente, os governos que não se alinham com a política neo-liberal? Haveria interesses de empresas na jogada? Quem estaria por detrás do Anonymous? Quais os interesses que o regem? Cada vez mais acredito no vídeo que “desmascara” o Anonymous. Mas não seria paranóia supor que a aparição casual do símbolo do Illuminati na FIESP teria alguma relação com o fato? Foi realmente casual? Ao menos a apariçãodos símbolos não foi casual. Mas isso teria alguma coisa a ver com o Illuminati e com uma tentativa de golpe no Brasil? Não sei... Achoque não. E qual a melhor maneira de implementar uma ditadura? É legitimá-la pelo povo. E como fazer isso? Desmoralizando o governo estabelecido e criando um herói, um “salvador da pátria”. E como unificar as pessoas nessa causa comum? Com o discurso nacionalista. E os meios para isso? A mídia. Podemos não ter um golpe, mas todos os elementos de um golpe de estado estão postos: e movendo-se harmonicamente em uma única direção.

Que a luta continue, mas que ela seja sábia. Que as pessoas teçam análises, e que saibam perceber para além do óbvio. Aproveitemos o estado de euforia que ainda nos resta para mobilizar intelectualmente a população. Por que mobilizar com meme de facebook não vai aumentar o senso crítico de ninguém. E uma população mobilizada e acrítica servirá a qualquer um que esteja disposto a mandar.

domingo, 23 de junho de 2013

E o que você viu, cara-pálida? (Parte II)



UMA ANÁLISE DE CASO


A presente reportagem do G1 nos oferece uma boa oportunidade para desmascarar os veículos de comunicação em massa, como que em flagrante delito. Detenhamo-nos ante as imagens e suas legendas. Observemos – como ensina Espinosa – o modo como as coisas são produzidas. Ou, no caso em questão, como uma narrativa é produzida. Adentremos, então, na fabricação do real. Como sabemos a diferença entre a ficção e o jornalismo é meramente estilística. Façamos, então, uma análise do pastiche em questão: (i) título, (ii) narrador, (iii) personagens.

O que diz o título? “Protesto em Salvador deixou quatro viaturas e três bancos destruídos.” Esse título evidencia a realidade? As únicas coisas destruídas foram as viaturas e os bancos? Quantos foram feridos pelas balas de borracha? Quantos receberam bombas de lacrimogênio quando estavam sentados? E o direito de ir e vir? Não foi ofendido? E o direito à manifestação livre, garantido pela constituição também não foi depredado pela polícia? O título nada diz acerca dessas outras depredações. A única coisa que não poderia ser depredada – e que portanto renderia uma manchete – eram as viaturas e os bancos. As viaturas e a polícia não me representam, elas representam uma sociedade onde a educação falhou. Quanto mais a educação falha, mais é necessário o uso da polícia. Mais educação e menos polícia! E os banco$$$ também não podem ser atacados! Ataquem tudo menos o capital, menos a propriedade privada, menos os aparelhos repressores. Depredar direitos, vidas e corpos é normal; depredar os aparelhos repressores, o capital e a propriedade privada é crime. É isso que o título nos revela.

O título nos leva ao narrador e às suas ideologias. O narrador, diz-se, é a entidade que conta a história. Quem conta a história? Dê uma olhada no site em que a matéria foi publicada... Qual é o site? Isso te diz alguma coisa? Além disso, dê uma olhada nos pessoas que dão sustentação financeira ao(s) grupo(s) midiático(s) em questão? São as grandes empresas e os bancos. Você acredita que essa reportagem é livre? Eu também não! O narrador conta a história de uma determinada perspectiva, de uma determinado ponto de vista. De que ponto de vista esse site fala? Do ponto de vista da população? Evidentemente, não. Ele fala do ponto de vista do mercado, dos interesses privados, das grandes corporações e de seus anunciantes. Ocorre que, ao ler a narrativa desse ponto de vista, nos colocamos, também do ponto de vista das grandes corporações. Evidentemente, o ponto de vista das grandes corporações não é o nosso. A perceber o mundo da forma como descrita pelo narrador, terminamos por internalizar suas ideologias e aceitá-las como se fossem nossas. É isso que faz com que uma população lute por sua escravidão como se fosse por sua liberdade. Ao se posicionar discursivamente do ponto de vista de seu opressor, a população termina por aceitar suas ideologias. Ocorre, mesmo, de lutar em nome de seu opressor. Desse modo, não é de se espantar que, no meio de uma manifestação por um país melhor, muitos terminem por reproduzir e defender o discursos fascistas.

A outra questão são os personagens da manifestação: os pacíficos e os vândalos. Como se sabe o juízo de valor é relativo; se fosse absoluto, não seria juízo de valor. E, sendo relativo, ele remete à perspectiva de onde avaliamos. A perspectiva, nesse caso, é dada pelo narrador. Ora, haja vista o que já falamos sobre o narrador, não é de se estranhar que os “manifestantes” que cantam o hino, que louvam a pátria que me pariu, que apanham docilmente da polícia e que não têm uma reivindicação concreta sejam considerados os “legítimos manifestantes”, os “bons manifestantes”. Bom para quem, cara-pálida? Por outro lado, aqueles que atentam contra os bancos, contra a polícia, aqueles que têm uma reivindicação concreta, aqueles que realmente atentam contra o sistema político em que vivemos, esses serão os vândalos. Vândalo? O termo vândalo foi legado como uma qualificação negativa justamente pelos romanos. Ora bolas, por que os romanos consideravam os vândalos como algo negativo? Justamente porque foi o povo que ousou enfrentar a tirania romana... E não é outro o motivo da valoração atribuída pela narrativa-reportagem. Evidentemente, se a população que lê essa reportagem coloca-se, dócil e despreparadamente, da perspectiva criada pelo narrador, tenderá a reproduzir as mesmas valorações. E não é estranho que essa mesma população vá para as ruas delatar os “vândalos”; que dê entrevista dizendo que os “vândalos” não os representam. Boa parte dessa população está habituada a enxergar o mundo da perspectiva criada pelas narrativas da TV. Como se percebe, tal narrativa produz ilusões. E, para tratarmos de ilusão, nada melhor do que nos servirmos de algumas categorias da literatura...

E o que você viu, cara-pálida?

Algumas coisas têm chamado a minha atenção na cobertura televisiva. Sobretudo pelo repentino apoio às manifestações. Outrora vândalos, agora manifestantes pacíficos. O que mudou? Uma coisa são os fatos, outra coisa é a edição e narração dos fatos, e por fim, a terceira coisa é a interpretação que se faz dos fatos a partir de sua edição. “Tá lá a TV mostrou”. “Eu vi as imagens”. Viu? E o que você viu, cara-pálida? A TV, agora, resolveu transmitir as manifestações. Uma manifestação pacífica – segundo a TV –, de caras pintadas, contra a corrupção; uma manifestação que não cessa de gritar “vem pra rua, vem!”, onde as pessoas cantam o hino nacional e gritam “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Por fim, uma manifestação onde dez entre dez entrevistados dizem que os “vândalos” não os representam. Curiosa manifestação pacífica: sem pauta, com gritos, cânticos e hinos. Parece mais uma final antecipada da Copa do mundo. A imagem pacífica e carnavalesca da manifestação passa a ser louvada pela mídia. Mas, eis que, curiosamente, sua transmissão passa mais tempo mostrando confrontos com a tropa de choque, ônibus queimados, gás lacrimogênio, etc. Ora, se a manifestação é pacífica por que a maior parte da transmissão é sobre confrontos? Se a grande maioria dos manifestantes só quer mostrar o seu patriotismo por que o numero de confrontos só tem aumentado? Curioso, muito curioso... Por que a TV em momento algum entrevistou um dos “vândalos”? Por que jamais entrevistou os representantes ditos “mais radicais”? O que eles teriam para nos dizer? Por que estão sendo silenciados? Por que a evidência recai toda no patriotismo? Por que apenas são evidenciadas aquelas reivindicações óbvias e por demais vagas: “contra a corrupção”, “por melhorias na educação”, “queremos saúde”. Ora, isso não acusa ninguém, não diz nada além do óbvio e não reivindica nada de concreto. É a névoa do discurso, e nessa névoa tudo pode acontecer da pior maneira possível, e amparada, legitimada, pelo povo. Ademais, é cada vez mais incentivado o discurso “contra os radicais”, contra os “vândalos”, e táticas de delação são insufladas nas manifestações: filmem, sentem-se, pintem, delatem o próximo. Vigiai-vos e puni-vos, irmãos! Em breve retornará às ruas o bordão dos militares: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. E começaremos a exilar aqueles que realmente lutam. Eles já estão sendo exilados das passeatas, suas reivindicações já foram exiladas dos pautas. Restam apenas os seus corpos: em breve serão delatados. As táticas de delação já apareceram.

Sempre fui contra a participação de bandeiras partidárias em movimentos populares. Quantos dos partidos comunistas leram o Manifesto Comunista de Karl Marx? Quantos sabem o que é o comunismo que defendem? Então, não me venham falar de partidos. Porém – e sempre há uma porém – não posso conceber uma manifestação “apartidária” que ataca os membros de um único partido. Curioso... A manifestação “apartidária” grita “impeachment” e “fora PT”. Gritam “fora PT” e são apartidários? Será mesmo? A manifestação “democrática” exige da presidente que expulse do senado os representantes eleitos PELO POVO. A manifestação “democrática” solicita que a presidente crie leis e as imponha da noite para o dia. A manifestação “democrática” quer que a presidente haja como um tirano. Será que a única linguagem que o povo entende é a do tirano? Será que não quererão senão um tirano no poder? Não seria melhor os militares? Estes, sim, têm força para impor suas decisões! Novamente, repito, sou contra as bandeiras de partido, mas tolero ainda menos que os dorminhocos – que só agora acordaram – venham impor sua tirania. Por mais que eu tenha horror aos partidos de esquerda, foram eles quem mantiveram a chama da luta acesa durante todo esse tempo. Foram eles que não dormiram – nunca! Os movimentos de minoria, idem. Os movimentos estudantis, idem. O movimento anarquista, por quem tenho maior simpatia, idem. Os anarquistas sempre foram os melhores mobilizadores de passeatas, sempre foram os que mais davam a cara a tapa e também os que tinham propostas mais concretas e menos populistas. Todos eles têm, ao menos, know-hall e experiência com mobilizações, passeatas, construção de pautas reivindicatórias, etc. Mas, agora, justamente eles são classificados como “vândalos” que estão traindo o “povo”. Pois o povo quer apenas botar uma blusa branca, bandeira do Brasil, cantar o hino nacional, e dizer que é “brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. O aparelho de captura foi lançado, a operação semiológica foi efetuada. Associou-se o desejo de mudança por parte da população ao patriotismo babaca. Associou-se o ódio da população àqueles que sempre lutaram em sua defesa. Agora a população, em nome de uma bandeira nacional – que assim como a dos partidos, não nos representa – destilará o seu ódio, acumulado durante décadas, naqueles que estão em sua defesa. O próximo passo, a próxima operação semiológica, será dividir os manifestantes em “manifestantes do bem” e “vândalos”. Os “manifestantes do bem” votarão em Serra; os “vândalos” serão exilados. A bandeira nacional, na medida em que oculta todas as reivindicações concretas, cumprirá essa função. Saibam ler o que está por detrás do discurso nacionalista, não digam amém para as imagens: elas são fortes, emotivas, mas obliteram o pensamento. Ainda acreditamos piamente nas imagens, e acreditaremos que a bandeira verde e amarela matará nossa fome, construirá hospitais, melhorará a educação, etc. Para muitos, basta vestir a bandeira “por um Brasil melhor” e deixar de lado toda pauta reivindicatória concreta, delatar aqueles que lutaram durante décadas, que conseguiremos o que queremos. O gigante acordou, meus amigos. O gigante acordou, tem mãos pesadas, peito reacionário e é acéfalo! Teremos que educá-lo!