sexta-feira, 2 de julho de 2010

Feliz 1984!

O ano era 1948, George Orwell publica então sua obra magna: 1984. O desenrolar do romance se passa em uma sociedade “fictícia”, regida pela figura de um déspota onipotente, onisciente, onipresente e inexistente: o Grande Irmão (Big Brother). O romance abordará um tema cada vez mais comum, e, paradoxalmente, cada vez mais aceito abertamente em nossa sociedade, qual seja, a manipulação da subjetividade. O livro segue na mesma linha de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1932) e Laranja Mecânica, de Anthony Burgess (1962). Assim como as duas obras citadas, 1984 traz um ambiente surreal, futurístico, colocando em foco problemas da sociedade atual; melhor ainda, narra o desenrolar de problemas que já eram atuais em sua época, e que, oxalá, não estejamos vivendo nos tempos narrados por esses autores. Contudo, à diferença destes dois, 1984 traz em seu bojo um discurso de natureza analítica a respeito do tema, que, por vezes, se sobressai à linguagem metafórica. Mais do que um romance, 1984 é praticamente um tratado – e muito antes dos escritos de Foucault – sobre o tema da coerção subjetiva a que somos submetidos constantemente, cuja natureza abstrata esconde uma sujeição real. Mais do que simplesmente denunciar a existência de tais coisas, o livro tece análises sobre a maneira como a “polícia do pensamento” e a “moral anti-desejo” funcionam na prática e no cotidiano, passando por temas como a eliminação de palavras, a deturpação dos sentidos das coisas, a criação de uma nova linguagem, eliminação do passado e da memória, eliminação das diferenças e dos estados comparativos entre as coisas, a impossibilidade de se conceber algo que não reproduza o estado vigente. A negação do desejo e a mutilação da linguagem geram um mutismo a todo pensamento próprio, como é bem demonstrado na dificuldade dos personagens em exprimir qualquer coisa que não seja ditada pelo Grande Irmão, ou, nas palavras do autor, cometer uma “crimidéia”. Chamou-me atenção o profundo conhecimento do funcionamento de coisas que hoje nos são tão corriqueiras, excessivamente banais para que dispensemos alguma atenção, porém bastante reveladoras acerca da época em que vivemos. Não são os grandes acontecimentos os que nos revelam. A história não é feita de grandes acontecimentos, mas da repetição incessante de pequenos atos, e são estes pequenos atos os que mais preocupam em nossa sociedade. A pequena tirania não difere em natureza da grande tirania, e ainda possui o agravante de ocultar-se na banalidade. Não vivemos na sociedade dos grandes déspotas, mas do pequeno tirano oculto em nossas almas. O Grande-Irmão (Big Brother) não existe somente como entidade social, mas também, e principalmente, como entidade reafirmada e reproduzida por cada indivíduo que a ele se submete. O instinto por segurança submete o desejo, a emoção, a vida. Quantos de nossos julgamentos sobre as coisas, sobre nós mesmos e sobre o outro, não são senão a reprodução da ditadura da uniformidade? Quantas de nossas percepções não são senão o enquadramento que o “olho social” impõe sobre as coisas? Por conta dessa percepção e desse julgamento, quantos já não foram “suicidados pela sociedade”, como diria Artaud? Ousar ir de encontro a esta percepção e a esse julgamento é condenar-se à derrota, como diria o sábio do Born to Lose. Porém, em 1984 esta derrota já não é mais uma derrota tão gloriosa e afirmativa como aquela sofrida pelos gregos nas Termópilas, mas uma derrota cotidiana, aquela capaz de dobrar até mesmo o joelho de Leônidas. Paro por aqui esta resenha, mais uma dose de pessimismo e eu serei internado...



Abaixo o Grande Irmão!
Putz...

4 comentários:

  1. Acho que somos do mesmo internato! Acho que o nosso "Big Brother" é o governo!

    ResponderExcluir
  2. Na epoca da ditadura militar isso era a mais pura verdade no brasil hoje a globo tenta esconder muita coisa do que aconteceu a poucos a record teve corajem de falar muitas coisas que ninguem falava por exemplo o debate do color e do lula em 1989

    ResponderExcluir
  3. Meu caro Francisco. Não precisa ir tão longe. A genialidade por trás do livro 1984 é que se você encherga-lo como um modelo ao invés de uma sequencia de fatos, poderá ver que independênte de "veja" ou "carta capital"; as duas dão beijinhos no bigode do "grande irmão". O grande irmão de orwel era a personificação do partido. Mas qual partido? O poder! Tudo pelo poder se justifica... Puxar a sardinha para que o seu "grupo" prevaleça sobre o outro, coisas assim.

    ResponderExcluir