domingo, 23 de junho de 2013

E o que você viu, cara-pálida?

Algumas coisas têm chamado a minha atenção na cobertura televisiva. Sobretudo pelo repentino apoio às manifestações. Outrora vândalos, agora manifestantes pacíficos. O que mudou? Uma coisa são os fatos, outra coisa é a edição e narração dos fatos, e por fim, a terceira coisa é a interpretação que se faz dos fatos a partir de sua edição. “Tá lá a TV mostrou”. “Eu vi as imagens”. Viu? E o que você viu, cara-pálida? A TV, agora, resolveu transmitir as manifestações. Uma manifestação pacífica – segundo a TV –, de caras pintadas, contra a corrupção; uma manifestação que não cessa de gritar “vem pra rua, vem!”, onde as pessoas cantam o hino nacional e gritam “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Por fim, uma manifestação onde dez entre dez entrevistados dizem que os “vândalos” não os representam. Curiosa manifestação pacífica: sem pauta, com gritos, cânticos e hinos. Parece mais uma final antecipada da Copa do mundo. A imagem pacífica e carnavalesca da manifestação passa a ser louvada pela mídia. Mas, eis que, curiosamente, sua transmissão passa mais tempo mostrando confrontos com a tropa de choque, ônibus queimados, gás lacrimogênio, etc. Ora, se a manifestação é pacífica por que a maior parte da transmissão é sobre confrontos? Se a grande maioria dos manifestantes só quer mostrar o seu patriotismo por que o numero de confrontos só tem aumentado? Curioso, muito curioso... Por que a TV em momento algum entrevistou um dos “vândalos”? Por que jamais entrevistou os representantes ditos “mais radicais”? O que eles teriam para nos dizer? Por que estão sendo silenciados? Por que a evidência recai toda no patriotismo? Por que apenas são evidenciadas aquelas reivindicações óbvias e por demais vagas: “contra a corrupção”, “por melhorias na educação”, “queremos saúde”. Ora, isso não acusa ninguém, não diz nada além do óbvio e não reivindica nada de concreto. É a névoa do discurso, e nessa névoa tudo pode acontecer da pior maneira possível, e amparada, legitimada, pelo povo. Ademais, é cada vez mais incentivado o discurso “contra os radicais”, contra os “vândalos”, e táticas de delação são insufladas nas manifestações: filmem, sentem-se, pintem, delatem o próximo. Vigiai-vos e puni-vos, irmãos! Em breve retornará às ruas o bordão dos militares: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. E começaremos a exilar aqueles que realmente lutam. Eles já estão sendo exilados das passeatas, suas reivindicações já foram exiladas dos pautas. Restam apenas os seus corpos: em breve serão delatados. As táticas de delação já apareceram.

Sempre fui contra a participação de bandeiras partidárias em movimentos populares. Quantos dos partidos comunistas leram o Manifesto Comunista de Karl Marx? Quantos sabem o que é o comunismo que defendem? Então, não me venham falar de partidos. Porém – e sempre há uma porém – não posso conceber uma manifestação “apartidária” que ataca os membros de um único partido. Curioso... A manifestação “apartidária” grita “impeachment” e “fora PT”. Gritam “fora PT” e são apartidários? Será mesmo? A manifestação “democrática” exige da presidente que expulse do senado os representantes eleitos PELO POVO. A manifestação “democrática” solicita que a presidente crie leis e as imponha da noite para o dia. A manifestação “democrática” quer que a presidente haja como um tirano. Será que a única linguagem que o povo entende é a do tirano? Será que não quererão senão um tirano no poder? Não seria melhor os militares? Estes, sim, têm força para impor suas decisões! Novamente, repito, sou contra as bandeiras de partido, mas tolero ainda menos que os dorminhocos – que só agora acordaram – venham impor sua tirania. Por mais que eu tenha horror aos partidos de esquerda, foram eles quem mantiveram a chama da luta acesa durante todo esse tempo. Foram eles que não dormiram – nunca! Os movimentos de minoria, idem. Os movimentos estudantis, idem. O movimento anarquista, por quem tenho maior simpatia, idem. Os anarquistas sempre foram os melhores mobilizadores de passeatas, sempre foram os que mais davam a cara a tapa e também os que tinham propostas mais concretas e menos populistas. Todos eles têm, ao menos, know-hall e experiência com mobilizações, passeatas, construção de pautas reivindicatórias, etc. Mas, agora, justamente eles são classificados como “vândalos” que estão traindo o “povo”. Pois o povo quer apenas botar uma blusa branca, bandeira do Brasil, cantar o hino nacional, e dizer que é “brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. O aparelho de captura foi lançado, a operação semiológica foi efetuada. Associou-se o desejo de mudança por parte da população ao patriotismo babaca. Associou-se o ódio da população àqueles que sempre lutaram em sua defesa. Agora a população, em nome de uma bandeira nacional – que assim como a dos partidos, não nos representa – destilará o seu ódio, acumulado durante décadas, naqueles que estão em sua defesa. O próximo passo, a próxima operação semiológica, será dividir os manifestantes em “manifestantes do bem” e “vândalos”. Os “manifestantes do bem” votarão em Serra; os “vândalos” serão exilados. A bandeira nacional, na medida em que oculta todas as reivindicações concretas, cumprirá essa função. Saibam ler o que está por detrás do discurso nacionalista, não digam amém para as imagens: elas são fortes, emotivas, mas obliteram o pensamento. Ainda acreditamos piamente nas imagens, e acreditaremos que a bandeira verde e amarela matará nossa fome, construirá hospitais, melhorará a educação, etc. Para muitos, basta vestir a bandeira “por um Brasil melhor” e deixar de lado toda pauta reivindicatória concreta, delatar aqueles que lutaram durante décadas, que conseguiremos o que queremos. O gigante acordou, meus amigos. O gigante acordou, tem mãos pesadas, peito reacionário e é acéfalo! Teremos que educá-lo!

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